segunda-feira, 27 de setembro de 2010
EDITORIAL: O MAL A EVITAR
A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.
Texto publicado na seção "Notas e Informações" da edição de 26/09/2010
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
O PT DE DIRCEU QUE DILMA ESCONDE
A declaração de que o PT terá mais poder com Dilma do que com Lula, feita pelo ex-ministro José Dirceu, eterno presidente de fato do partido, é motivo para reflexões, avaliações e projeções muito sérias. Até porque --ou principalmente porque-- o PT tem sido um ausente do discurso de Dilma na campanha.
A equação não fecha: Dilma disfarça o partido, mas o partido vai ter ainda mais poder no governo dela?
No debate Rede TV!/Folha, no domingo à noite, Dilma relegou mais uma vez o PT ao segundo plano, referindo-se ao 'presidente Lula' e ao 'nosso governo' como os seus verdadeiros partidos. Mas Dirceu entregou o jogo: o PT é que vai dar as cartas no governo Dilma --que, não custa lembrar, era do PDT até outro dia.
A julgar pelas pesquisas, o PT vem numericamente forte por aí. Vai fazer uma bancada grande e experiente no Senado (calcanhar-de-Aquiles de Lula) e tende a ultrapassar o PMDB como maior bancada na Câmara. (Aliás, desbancando a candidatura do peemedebista Henrique Eduardo Alves para a presidência da Casa.)
O PT, então, será o líder no Congresso de uma imensa tropa formada desde o PC do B ao PP de Maluf, depois de já ter transformado a CUT, o MST e a UNE em agências do governo, financiadas com recursos públicos; já ter aparelhado o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobras, o BNDES; e estar em vias de 'extirpar' a oposição, como disse Lula sobre o DEM, enquanto ataca pessoalmente os tucanos Tasso Jereissatti no Ceará e Arthur Virgílio no Amazonas.
E aí entra a fala de Dirceu: 'A eleição de Dilma é mais importante do que a do Lula, porque é a eleição do projeto político'. Leia-se: Lula foi um meio para se chegar a um fim, ao tal 'projeto político'. Agora, falta explicar exatamente do que se trata, antes que o governo e o projeto se instalem. Dilma entregou um programa 'hard' de manhã ao TSE e, de tarde, retirou e entregou outro 'light'. Até agora, não se sabe ao certo qual é para valer.
Um dos laboratórios do 'projeto político' de Dirceu foi a liderança do PT na Câmara antes da eleição de Lula, que atuava e respirava conforme Dirceu mandava. Era ali o foco dos dossiês, das CPIs, das denúncias de todo tipo contra Collor, contra Itamar, contra Fernando Henrique, contra tudo e contra todos os demais.
E não é que foi dali que saíram Erenice Guerra, José Dias Toffoli, Márcio Silva? Saíram direto da central de dossiês contra adversários para o comando do país.
Erenice surgiu meio do nada e virou ministra da Casa Civil, principal cargo do governo. Toffoli é um ótimo sujeito, mas tinha todas as desvantagens e nenhum dos atributos para ser ministro, nada mais nada menos, do Supremo Tribunal Federal. E o tal do Márcio Silva é advogado da campanha de Dilma e dono de um escritório meteórico que, como diz o Painel da Folha de hoje (15/09/10), 'é assunto de advogados há muito estabelecidos em Brasília'.
Dilma teve a consideração de indicar a amiga e braço-direito Erenice Guerra como sua sucessora na Casa Civil. Mas, agora que a Casa Civil caiu (de novo) sob o peso da parentada toda dele, teve a desconsideração de rebaixá-la à condição de 'mera assessora'.
Deve estar aí a chave da questão: tem hora de esconder e tem hora de mostrar. É o PT das Erenices dos dossiês, do aparelhamento e do patrimonialismo que vai tocar o 'projeto político' em curso no país?
E com o inestimável apoio do PMDB, evidentemente.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
Fonte: Folha.com - Eliane Cantanhêde
A equação não fecha: Dilma disfarça o partido, mas o partido vai ter ainda mais poder no governo dela?
No debate Rede TV!/Folha, no domingo à noite, Dilma relegou mais uma vez o PT ao segundo plano, referindo-se ao 'presidente Lula' e ao 'nosso governo' como os seus verdadeiros partidos. Mas Dirceu entregou o jogo: o PT é que vai dar as cartas no governo Dilma --que, não custa lembrar, era do PDT até outro dia.
A julgar pelas pesquisas, o PT vem numericamente forte por aí. Vai fazer uma bancada grande e experiente no Senado (calcanhar-de-Aquiles de Lula) e tende a ultrapassar o PMDB como maior bancada na Câmara. (Aliás, desbancando a candidatura do peemedebista Henrique Eduardo Alves para a presidência da Casa.)
O PT, então, será o líder no Congresso de uma imensa tropa formada desde o PC do B ao PP de Maluf, depois de já ter transformado a CUT, o MST e a UNE em agências do governo, financiadas com recursos públicos; já ter aparelhado o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobras, o BNDES; e estar em vias de 'extirpar' a oposição, como disse Lula sobre o DEM, enquanto ataca pessoalmente os tucanos Tasso Jereissatti no Ceará e Arthur Virgílio no Amazonas.
E aí entra a fala de Dirceu: 'A eleição de Dilma é mais importante do que a do Lula, porque é a eleição do projeto político'. Leia-se: Lula foi um meio para se chegar a um fim, ao tal 'projeto político'. Agora, falta explicar exatamente do que se trata, antes que o governo e o projeto se instalem. Dilma entregou um programa 'hard' de manhã ao TSE e, de tarde, retirou e entregou outro 'light'. Até agora, não se sabe ao certo qual é para valer.
Um dos laboratórios do 'projeto político' de Dirceu foi a liderança do PT na Câmara antes da eleição de Lula, que atuava e respirava conforme Dirceu mandava. Era ali o foco dos dossiês, das CPIs, das denúncias de todo tipo contra Collor, contra Itamar, contra Fernando Henrique, contra tudo e contra todos os demais.
E não é que foi dali que saíram Erenice Guerra, José Dias Toffoli, Márcio Silva? Saíram direto da central de dossiês contra adversários para o comando do país.
Erenice surgiu meio do nada e virou ministra da Casa Civil, principal cargo do governo. Toffoli é um ótimo sujeito, mas tinha todas as desvantagens e nenhum dos atributos para ser ministro, nada mais nada menos, do Supremo Tribunal Federal. E o tal do Márcio Silva é advogado da campanha de Dilma e dono de um escritório meteórico que, como diz o Painel da Folha de hoje (15/09/10), 'é assunto de advogados há muito estabelecidos em Brasília'.
Dilma teve a consideração de indicar a amiga e braço-direito Erenice Guerra como sua sucessora na Casa Civil. Mas, agora que a Casa Civil caiu (de novo) sob o peso da parentada toda dele, teve a desconsideração de rebaixá-la à condição de 'mera assessora'.
Deve estar aí a chave da questão: tem hora de esconder e tem hora de mostrar. É o PT das Erenices dos dossiês, do aparelhamento e do patrimonialismo que vai tocar o 'projeto político' em curso no país?
E com o inestimável apoio do PMDB, evidentemente.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
Fonte: Folha.com - Eliane Cantanhêde
terça-feira, 7 de setembro de 2010
DEMOCRACIA EM RISCO
Vivemos uma fase de democracia virtual. Não no sentido da utilização dos meios eletrônicos e da web como sucedâneos dos processos diretos, mas no sentido que atribui à palavra “virtual” o dicionário do Aurélio: algo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual.
Faz tempo que eu insisto: o edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas, quando alguém bate à porta, a monumentalidade das formas institucionais desfaz-se em um eco que indica estar a casa vazia por dentro.
Ainda agora a devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas mais mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana. Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política – como se estivessem tratando com um povo de parvos –, proclamam que “não foi nada não; apenas um balcão de venda de dados...”.
E fica o dito pelo não dito, com a mídia denunciando, os interessados protestando e buscando socorro no Judiciário, até que o tempo passe e nada aconteça.
Não tem sido assim com tudo o mais? O que aconteceu com o “dossiê” contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados?
E os gastos da atual Presidência não se transformaram em “secretos” em nome da segurança nacional? E o que aconteceu de prático? Nada. Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior.
No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial.
Nas democracias, é lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições.
Mas é escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas.
Há um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que além de pessoal é também institucional, na pugna política diária.
Chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas, senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso. Por que não se faz? Porque pouco a pouco estamos nos acostumando que é assim mesmo.
Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista – que ainda dá para evitar – incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do PRI mexicano – se o PT conseguir a proeza de ser “hegemônico” – ou do peronismo, se mais do que a força de um partido preponderar a figura do líder.
Dadas as características da cultura política brasileira, de leniência com a transgressão e criatividade para simular, o jogo pluripartidário pode ser mantido na aparência, enquanto na essência se venha a ter um partido para valer e outro(s) para sempre se opor, como durante o autoritarismo militar.
Pior ainda, com a massificação da propaganda oficial e o caudilhismo renascente, poderá até haver anuência do povo e a cumplicidade das elites para com essa forma de democracia quase plebiscitária.
Aceitação pelas massas na medida em que se beneficiem das políticas econômico-sociais, e das elites porque estas sabem que neste tipo de regime o que vale mesmo é uma boa ligação com quem manda.
O “dirigismo à brasileira”, mesmo na economia, não é tão mau assim para os amigos do rei ou da rainha.
É isso que está em jogo nas eleições de outubro: que forma de democracia teremos, oca por dentro ou plena de conteúdo. Tudo mais pesará menos.
Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas, assim como é certo que a oposição se opôs menos do que deveria à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder.
Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos às instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilos.
Ainda assim, é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo como fundamento da legitimidade do poder e tem a convicção de que a democracia é o governo das leis e não das pessoas.
Estamos no século 21, mas há valores e práticas propostos no século 18 que foram se transformando em prática política e que devem ser resguardados, embora se mostrem insuficientes para motivar as pessoas. É preciso aumentar a inclusão e ampliar a participação.
É positivo se valer de meios eletrônicos para tomar decisões e validar caminhos. É inaceitável, porém, a absorção de tudo isso pela “vontade geral” encapsulada na figura do líder. Isso é qualquer coisa, menos democracia.
Se o fosse, não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo (que, diga-se, não exerceu propriamente o personalismo como fator de dominação) e assim por diante.
É disso que se trata no Brasil de hoje: estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal).
Por mais restrições que alguém possa ter ao encaminhamento das campanhas ou mesmo a características pessoais de um ou outro candidato, uma coisa é certa: o governismo tal como está posto representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática.
Há tempo ainda para derrotá-lo. Eleição se ganha no dia.
Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República
Faz tempo que eu insisto: o edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas, quando alguém bate à porta, a monumentalidade das formas institucionais desfaz-se em um eco que indica estar a casa vazia por dentro.
Ainda agora a devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas mais mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana. Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política – como se estivessem tratando com um povo de parvos –, proclamam que “não foi nada não; apenas um balcão de venda de dados...”.
E fica o dito pelo não dito, com a mídia denunciando, os interessados protestando e buscando socorro no Judiciário, até que o tempo passe e nada aconteça.
Não tem sido assim com tudo o mais? O que aconteceu com o “dossiê” contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados?
E os gastos da atual Presidência não se transformaram em “secretos” em nome da segurança nacional? E o que aconteceu de prático? Nada. Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior.
No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial.
Nas democracias, é lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições.
Mas é escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas.
Há um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que além de pessoal é também institucional, na pugna política diária.
Chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas, senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso. Por que não se faz? Porque pouco a pouco estamos nos acostumando que é assim mesmo.
Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista – que ainda dá para evitar – incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do PRI mexicano – se o PT conseguir a proeza de ser “hegemônico” – ou do peronismo, se mais do que a força de um partido preponderar a figura do líder.
Dadas as características da cultura política brasileira, de leniência com a transgressão e criatividade para simular, o jogo pluripartidário pode ser mantido na aparência, enquanto na essência se venha a ter um partido para valer e outro(s) para sempre se opor, como durante o autoritarismo militar.
Pior ainda, com a massificação da propaganda oficial e o caudilhismo renascente, poderá até haver anuência do povo e a cumplicidade das elites para com essa forma de democracia quase plebiscitária.
Aceitação pelas massas na medida em que se beneficiem das políticas econômico-sociais, e das elites porque estas sabem que neste tipo de regime o que vale mesmo é uma boa ligação com quem manda.
O “dirigismo à brasileira”, mesmo na economia, não é tão mau assim para os amigos do rei ou da rainha.
É isso que está em jogo nas eleições de outubro: que forma de democracia teremos, oca por dentro ou plena de conteúdo. Tudo mais pesará menos.
Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas, assim como é certo que a oposição se opôs menos do que deveria à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder.
Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos às instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilos.
Ainda assim, é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo como fundamento da legitimidade do poder e tem a convicção de que a democracia é o governo das leis e não das pessoas.
Estamos no século 21, mas há valores e práticas propostos no século 18 que foram se transformando em prática política e que devem ser resguardados, embora se mostrem insuficientes para motivar as pessoas. É preciso aumentar a inclusão e ampliar a participação.
É positivo se valer de meios eletrônicos para tomar decisões e validar caminhos. É inaceitável, porém, a absorção de tudo isso pela “vontade geral” encapsulada na figura do líder. Isso é qualquer coisa, menos democracia.
Se o fosse, não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo (que, diga-se, não exerceu propriamente o personalismo como fator de dominação) e assim por diante.
É disso que se trata no Brasil de hoje: estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal).
Por mais restrições que alguém possa ter ao encaminhamento das campanhas ou mesmo a características pessoais de um ou outro candidato, uma coisa é certa: o governismo tal como está posto representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática.
Há tempo ainda para derrotá-lo. Eleição se ganha no dia.
Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
A INCOMPETÊNCIA DA CANDIDATA DO PT
Dilma ignorou falha apontada por TCU em contas de luz; prejuízo é de R$ 1 bi
Falhas no cálculo da chamada tarifa social de energia, criada no governo FHC, provocaram gastos indevidos de um fundo de consumidores de todo o país, informa reportagem de Rubens Valente, publicada neste domingo pela Folha (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL).
Segundo o Tribunal de Contas da União, o desperdício foi de R$ 989 milhões no tempo em que Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia (2003-2005).
O TCU alertou Dilma três vezes sobre o erro, mas ela não tomou providências.
Um dos critérios para definir o benefício era o baixo consumo. O TCU concluiu que o domicílio que gastava pouco não era necessariamente pobre. Podia ser uma casa de praia, por exemplo.
Em 2006, só depois de a ministra ir para a Casa Civil, houve providências. A lei mudou em 2010.
Fonte: Folha.com
Falhas no cálculo da chamada tarifa social de energia, criada no governo FHC, provocaram gastos indevidos de um fundo de consumidores de todo o país, informa reportagem de Rubens Valente, publicada neste domingo pela Folha (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL).
Segundo o Tribunal de Contas da União, o desperdício foi de R$ 989 milhões no tempo em que Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia (2003-2005).
O TCU alertou Dilma três vezes sobre o erro, mas ela não tomou providências.
Um dos critérios para definir o benefício era o baixo consumo. O TCU concluiu que o domicílio que gastava pouco não era necessariamente pobre. Podia ser uma casa de praia, por exemplo.
Em 2006, só depois de a ministra ir para a Casa Civil, houve providências. A lei mudou em 2010.
Fonte: Folha.com
domingo, 5 de setembro de 2010
AS LIMITAÇÕES DO BOLSA-FAMÍLIA
ONU diz que Bolsa-Família é limitado
Segundo relatório, feito por 130 especialistas, o País precisa ir além do programa se quiser tentar resolver a desigualdade social e a pobreza
A ONU aponta as limitações do Bolsa-Família, seu apelo político e alerta que o governo que assumir o poder em 2011 terá de ir além do programa se quiser fazer uma diferença profunda no problema da desigualdade social e na redução da pobreza no Brasil. O alerta faz parte de um levantamento realizado por 130 especialistas e que conclui que o governo ainda não conseguiu lidar com as causas estruturais da pobreza e da desigualdade.
O relatório admite que os programas sociais adotados pelo atual governo garantiram votos e que foram positivos para a popularidade do partido no poder. "As desigualdades continuam elevadas, apesar dos recentes progressos. Isso levanta sérias questões sobre até que ponto projetos de bem-estar democráticos podem ser avançados", afirmou o documento preparado pelo Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Social da ONU.
Yusuf Bangura, autor de um relatório que a ONU publica hoje em Genebra, é ainda mais claro. "Todos esses programas no Brasil foram positivos. Mas precisamos ser cautelosos. A desigualdade ainda é dramática e não há sinais de que, para avançar, essa seja a solução a partir de agora."
Em sua avaliação, a situação no Brasil só irá melhorar com medidas para integrar a população à economia formal, gerar empregos e produtividade. Para a ONU, a migração entre o campo e a cidade continuará no Brasil nos próximos anos diante das diferenças de oportunidade de trabalho e de salários. Mas a entidade alerta que isso pode ter impacto negativo nos esforços de reduzir a pobreza. "A redução da pobreza será desacelerada se empregos formais e salários não melhorarem", diz o documento. Na avaliação da ONU, estratégias para melhorar a renda das famílias mais pobres, e não dar dinheiro, devem ser estudadas.
A organização não deixa de tecer elogios aos programas criados no governo Lula, insistindo que se trata de alguns dos melhores exemplos de atuação social de um país emergente. Ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula é citado como um chefe de Estado que "reverteu" a tendência de aumento da desigualdade.
Mas a entidade deixa claro que não se pode dar por solucionado o problema por meio do Bolsa-Família. Para a ONU, os programas no Brasil ainda "não conseguiram ser complementados com uma intervenção mais estrutural para dar oportunidades de emprego e soluções de longo prazo para a pobreza".
"Sob o governo Lula, algum progresso foi alcançado em termos de redução de pobreza e de desigualdade enquanto a democracia foi consolidada. O desafio agora é o de lidar com as causas estruturais da desigualdade e da pobreza, que estão enraizadas profundamente no modelo econômico do País e no sistema social", afirmou a entidade, que aponta que o crescimento econômico nos anos do presidente Lula foi "modesto".
Votos. A ONU também admite a relação entre a existência desses programas e a busca por votos. "Há aparentemente um círculo virtuoso ligando programas de assistência social (no Brasil) e competição eleitoral", alertou o levantamento. "Programas com alto impacto redistributivo têm gerado um eleitorado eficiente."
As críticas ao Bolsa-Família não são feitas de forma isolada e o documento é uma verdadeira autocrítica contra as próprias estratégias sociais das Nações Unidas na última década. Segundo o estudo, o eventual cumprimento das metas do milênio até 2015 - de redução de pobreza e fome - não resolverá a crise social no mundo. "Reduzir o número de pobres pode ser importante. Mas se for com políticas insustentáveis de apenas distribuição de renda e de alimentos, não há como atacar as causas do problema", disse Bangura.
"Hoje, a forma de lidar com a pobreza foca nas coisas que os pobres não têm, e não por que eles não têm isso", disse o especialista. No ano 2000, governos de todo o mundo fecharam um compromisso de que, até 2015, reduziriam pela metade o número de miseráveis, de famintos, de mortes entre crianças e várias outras metas. Pelo novo levantamento, mesmo que todos objetivos forem atingidos, 1 bilhão de pessoas ainda estarão marginalizadas no mundo, em condições críticas. Em 1980, esse número era de 1,8 bilhão de pessoas.
Por esse princípio, o Bolsa-Família e outros programas sociais brasileiros cairiam na classificação da ONU de iniciativas que não dão resultados suficientes. "Mas pela dimensão da implementação do programa, atingindo milhões de famílias em todo o Brasil, os efeitos foram positivos", explicou o autor do estudo.
"Não estamos falando em jogar no lixo o Bolsa-Família", disse Bangura. "Mas isso não vai bastar no futuro." Segundo ele, o segredo seria reduzir a informalidade no setor produtivo, que supera, em alguns locais do Brasil, a taxa de 50%. De acordo com o levantamento, a produtividade do trabalhador brasileiro também está em queda nos últimos 20 anos, tanto no setor agrícola como no industrial.
Causas do problema
YUSUF BANGURA
AUTOR DO RELATÓRIO
"Todos esses programas no Brasil foram positivos. Mas precisamos ser cautelosos. A desigualdade ainda é dramática e não há sinais de que, para avançar, essa seja a solução a partir de agora".
"Reduzir o número de pobres pode ser importante. Mas se for com políticas insustentáveis de apenas distribuição de renda e de alimentos, não há como atacar as causas do problema".
Fonte: Agência Estado
Segundo relatório, feito por 130 especialistas, o País precisa ir além do programa se quiser tentar resolver a desigualdade social e a pobreza
A ONU aponta as limitações do Bolsa-Família, seu apelo político e alerta que o governo que assumir o poder em 2011 terá de ir além do programa se quiser fazer uma diferença profunda no problema da desigualdade social e na redução da pobreza no Brasil. O alerta faz parte de um levantamento realizado por 130 especialistas e que conclui que o governo ainda não conseguiu lidar com as causas estruturais da pobreza e da desigualdade.
O relatório admite que os programas sociais adotados pelo atual governo garantiram votos e que foram positivos para a popularidade do partido no poder. "As desigualdades continuam elevadas, apesar dos recentes progressos. Isso levanta sérias questões sobre até que ponto projetos de bem-estar democráticos podem ser avançados", afirmou o documento preparado pelo Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Social da ONU.
Yusuf Bangura, autor de um relatório que a ONU publica hoje em Genebra, é ainda mais claro. "Todos esses programas no Brasil foram positivos. Mas precisamos ser cautelosos. A desigualdade ainda é dramática e não há sinais de que, para avançar, essa seja a solução a partir de agora."
Em sua avaliação, a situação no Brasil só irá melhorar com medidas para integrar a população à economia formal, gerar empregos e produtividade. Para a ONU, a migração entre o campo e a cidade continuará no Brasil nos próximos anos diante das diferenças de oportunidade de trabalho e de salários. Mas a entidade alerta que isso pode ter impacto negativo nos esforços de reduzir a pobreza. "A redução da pobreza será desacelerada se empregos formais e salários não melhorarem", diz o documento. Na avaliação da ONU, estratégias para melhorar a renda das famílias mais pobres, e não dar dinheiro, devem ser estudadas.
A organização não deixa de tecer elogios aos programas criados no governo Lula, insistindo que se trata de alguns dos melhores exemplos de atuação social de um país emergente. Ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula é citado como um chefe de Estado que "reverteu" a tendência de aumento da desigualdade.
Mas a entidade deixa claro que não se pode dar por solucionado o problema por meio do Bolsa-Família. Para a ONU, os programas no Brasil ainda "não conseguiram ser complementados com uma intervenção mais estrutural para dar oportunidades de emprego e soluções de longo prazo para a pobreza".
"Sob o governo Lula, algum progresso foi alcançado em termos de redução de pobreza e de desigualdade enquanto a democracia foi consolidada. O desafio agora é o de lidar com as causas estruturais da desigualdade e da pobreza, que estão enraizadas profundamente no modelo econômico do País e no sistema social", afirmou a entidade, que aponta que o crescimento econômico nos anos do presidente Lula foi "modesto".
Votos. A ONU também admite a relação entre a existência desses programas e a busca por votos. "Há aparentemente um círculo virtuoso ligando programas de assistência social (no Brasil) e competição eleitoral", alertou o levantamento. "Programas com alto impacto redistributivo têm gerado um eleitorado eficiente."
As críticas ao Bolsa-Família não são feitas de forma isolada e o documento é uma verdadeira autocrítica contra as próprias estratégias sociais das Nações Unidas na última década. Segundo o estudo, o eventual cumprimento das metas do milênio até 2015 - de redução de pobreza e fome - não resolverá a crise social no mundo. "Reduzir o número de pobres pode ser importante. Mas se for com políticas insustentáveis de apenas distribuição de renda e de alimentos, não há como atacar as causas do problema", disse Bangura.
"Hoje, a forma de lidar com a pobreza foca nas coisas que os pobres não têm, e não por que eles não têm isso", disse o especialista. No ano 2000, governos de todo o mundo fecharam um compromisso de que, até 2015, reduziriam pela metade o número de miseráveis, de famintos, de mortes entre crianças e várias outras metas. Pelo novo levantamento, mesmo que todos objetivos forem atingidos, 1 bilhão de pessoas ainda estarão marginalizadas no mundo, em condições críticas. Em 1980, esse número era de 1,8 bilhão de pessoas.
Por esse princípio, o Bolsa-Família e outros programas sociais brasileiros cairiam na classificação da ONU de iniciativas que não dão resultados suficientes. "Mas pela dimensão da implementação do programa, atingindo milhões de famílias em todo o Brasil, os efeitos foram positivos", explicou o autor do estudo.
"Não estamos falando em jogar no lixo o Bolsa-Família", disse Bangura. "Mas isso não vai bastar no futuro." Segundo ele, o segredo seria reduzir a informalidade no setor produtivo, que supera, em alguns locais do Brasil, a taxa de 50%. De acordo com o levantamento, a produtividade do trabalhador brasileiro também está em queda nos últimos 20 anos, tanto no setor agrícola como no industrial.
Causas do problema
YUSUF BANGURA
AUTOR DO RELATÓRIO
"Todos esses programas no Brasil foram positivos. Mas precisamos ser cautelosos. A desigualdade ainda é dramática e não há sinais de que, para avançar, essa seja a solução a partir de agora".
"Reduzir o número de pobres pode ser importante. Mas se for com políticas insustentáveis de apenas distribuição de renda e de alimentos, não há como atacar as causas do problema".
Fonte: Agência Estado
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